Juquery recebe evento para celebrar o mês da Consciência Negra
“Vamo acordar! Vamo acordar! Cabeça erguida, olhar sincero. Tá com medo de quê? Nunca foi fácil. Junta os seus pedaços e desce pra arena”. Esse é um trecho da canção “Sou Mais Você” do grupo paulista de Rap “Racionais MC’s”. A música, que faz alusão a uma rádio comunitária, onde o rapper Mano Brown se passa por um locutor, tem como objetivo levar alto-astral à comunidade para que ela consiga passar pelos obstáculos do dia-a-dia com resistência.
E foi com essa canção, que no último sábado (12), a Secretaria da Educação e Cultura, junto ao coletivo Aya Cultural e a Associação Cultural Afro Brasileira (Acafro) iniciou o “Novembro Negro”, atividade de celebração ao mês da Consciência Negra. O evento, que aconteceu no jardim da antiga saboaria do Complexo Hospitalar do Juquery, contou com apresentações musicais; roda de afoxé (manifestação popular de origem africana que inclui a dança, música e instrumentos), rodas de conversa e outras manifestações culturais.
Este ano, o novembro negro homenageia Joaquim Tebas, arquiteto e artesão brasileiro que se tornou referência por contribuir com o plano arquitetônico da capital de São Paulo após ser escravizado.
Ao som dos atabaques, agogôs, afoxés e berimbaus, em primeiro momento, aconteceu a apresentação de Afoxé, conduzida pela mãe de santo e presidente da Acafro, Iyá Tânia. A religiosa pediu licença aos ancestrais do Juquery e abriu os caminhos, utilizando água de cheiro. “Estamos aqui hoje ressignificando o espaço, trazendo boas energias para um local que um dia passou por sofrimento. É importante pedir licença, afinal somos os sucessores desses antepassados”, disse Iyá Tânia.
Durante o evento, as trancistas Viviane Messias e Juliana Rafael realizaram sua arte nos cabelos dos visitantes. “Trançar o cabelo significa traçar a liberdade. Iniciei meu trabalho há três anos e, desde então, atendo pessoas de diversas identidades culturais. Qualquer pessoa pode trançar o cabelo e isso não significa apropriação cultural, pode até mesmo ser considerado uma homenagem”, disse Viviane.
Para compartilhar a importância do cuidado com a saúde mental e física da mulher negra, foram convidadas a psicóloga Jéssica Gonçalves, que se apresenta como mulher cis, preta, gorda e periférica, e a ativista pelos direitos humanos Samy Fortes, mulher transexual, travesti, negra e feminista. Elas citaram o respeito, resiliência e exemplos do que a comunidade negra passa durante a vida inteira. “É preciso que as escolas sejam as primeiras a falar sobre pessoas pretas, e também é preciso dizer a pessoas pretas que buscar apoio psicológico é importante. Hoje, temos mais voz para dialogar sobre o assunto, mas antigamente as pessoas adoeciam”, enfatiza a psicóloga.
Também aconteceu um diálogo das juventudes periféricas negras que compartilharam como as oportunidades conquistadas em Franco da Rocha mudaram suas vidas. Beatriz Sampaio recebeu em 2021 o convite para entrar no grupo Infinity Move Crew, onde está até hoje, Gabrielly Whilly é grafiteira do grupo e Midazz, artista e organizador de eventos de arte cultura. Há sete anos atua culturalmente na região e há cinco organiza e apresenta a batalha no parque municipal. “Eu não me conformava com o mundo à minha volta e o Hip-Hop me salvou”, disse Midazz.
Para finalizar, rolaram apresentações de Break Dance e grafite do Infinity Move Crew e batalha de rima.
Um pouco mais sobre o evento
Na última segunda-feira (14), houve a exibição do documentário “O Que Querem As Mulheres? – Da Ancestralidade ao Afrofuturismo?” e a palestra sobre ancestralidade com Iyá Tânia e afrofuturismo com Joyce Aziza Mendonça.
Elas explicaram que afrofuturismo é um termo usado para definir a convergência da visão “afrocêntrica” com a ficção científica, inserindo a negritude em um contexto de tecnologia e projeções sobre o futuro. O conceito levanta possibilidades de vivência negra em mundos que não são marcados pelo racismo e pela opressão, funcionando como crítica à realidade atual. O conceito está presente no cenário cultural em filmes, músicas, moda e literatura.
A ancestralidade, abordada por Iyá Tânia, consiste nos valores centrais da cultura africana e tem como fonte de sabedoria, identidade, pertencimento, saúde e une passado, presente e futuro. Iyá Tânia salientou como a cultura africana foi fonte de inúmeros saberes culturais difundidos por séculos, sem que o povo negro fosse devidamente reconhecido por seu pioneirismo.
A escritora e crítica literária, Heloísa Buarque de Hollanda e a diretora Liloye Boubli discutiram vertentes de igualdade de gênero e raça, mostrando como a desigualdade afeta mulheres nas mais variadas escalas. Ao lado das pensadoras Stephanie Ribeiro, Katiúscia Ribeiro e Morena Mariah, o grupo discutiu os dilemas das vítimas de racismo nos mais amplos espectros e as lutas do feminismo negro abordando caminhos para acabar com o machismo e construir uma sociedade mais igualitária.
A programação do Novembro Negro continua até o fim do mês. Clique aqui para conferir os próximos eventos.