Dos trending topics aos fandoms: como o BBB se tornou um fenômeno também na internet – Tecnoblog – Tecnoblog
Há 20 anos no ar, o BBB é relevante na internet desde o começo dos anos 2000, mas explodiu na era das redes sociais, despertando paixões e números estrondosos
Foi em 29 de janeiro de 2002 que o primeiro episódio do Big Brother Brasil foi ao ar. Nascido de uma joint venture entre a Rede Globo com a Endemol, o programa estreou apresentado por Marisa Orth e Pedro Bial, jornalista que comandou outras de suas quinze edições. Formado por 12 participantes que disputavam um prêmio de meio milhão de reais, o formato do reality show não era novidade no Brasil, já que poucas semanas antes o SBT havia transmitido A Casa dos Artistas. A dinâmica do programa, porém, conquistou o país e ao final dos 64 dias de exibição de sua primeira temporada, o BBB já era um fenômeno.
Com um nome que fazia alusão ao livro “1984“, de George Orwell, o reality show teve tanta audiência na grade da Globo (com uma final que alcançou 59 pontos de média no Ibope), que uma segunda temporada foi realizada ainda em 2002.
A partir daí, pelos próximos 20 anos, o mês de janeiro se tornou sinônimo de uma nova edição do BBB, com os telespectadores acompanhando, ao longo de três meses, um grupo de pessoas trancafiadas em uma casa, sem comunicação com o mundo exterior.
Ao longo de sua primeira década, novas dinâmicas surgiram no programa, ex-participantes se transformaram em estrelas da TV – como é o caso de Grazi Massafera e Sabrina Sato – e o formato do BBB se consolidou cada vez mais na tela da Globo.
Mas o Big Brother não andava só. Na mesma época, outro fenômeno também invadia a casa dos brasileiros, mesmo que com passos contidos. A disseminação da internet se transformava em uma realidade no país – ainda que centrada em áreas urbanas e em classes com maior poder aquisitivo –, fazendo, inclusive, com que o reality abrangesse a votação online em seus paredões, já que no início seu sistema de votação era apenas por telefone.
Essa popularização da internet trouxe a possibilidade de que pessoas dos mais variados lugares, gêneros e idades pudessem se encontrar, ainda que online, para debater sobre o programa. Discussões essas que, em uma era pré-redes sociais, costumavam acontecer em blogs e fóruns, as grandes referências sobre BBB na internet no começo dos anos 2000.
Toda essa movimentação online foi vista de perto por Bruno Campanella, professor doutor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da UFF (Universidade Federal Fluminense), que entre 2006 e 2010 fez uma pesquisa sobre o público do BBB que deu origem ao livro “Os Olhos do Grande Irmão – Uma etnografia dos fãs do Big Brother Brasil“.
Em entrevista ao Tecnoblog, Bruno explica:
“É algo que, hoje em dia, talvez a gente não tenha noção porque obviamente as redes sociais cresceram mais nos últimos dez anos e explodiram nos últimos cinco. […] Mas, para aqueles que já tinham acesso à internet, [o BBB] era muito forte. Para você ter ideia, quando eu fiz a pesquisa, em cada edição do programa eu identificava uns vinte, vinte e cinco blogs ativos [sobre o assunto]. […] Alguns deles, como o “De Cara Pra Lua”, da Susan e o “Tevescópio”, da Dona Lupa, tinham milhares e milhares de comentários por dia.”
Ainda que a internet fosse muito menos acessível do que é hoje em dia, todo esse engajamento não passava despercebido pela emissora, que logo entendeu o proveito que poderia tirar disso.
“O BBB foi absolutamente fundamental para a estratégia de inserção digital do próprio portal da Globo, que ainda estava tentando se estabelecer no meio dos anos 2000. […] Tinham pessoas que praticamente descobriam o portal por meio do BBB”.
Para se ter ideia, em 2005, durante os três meses de exibição do programa, o site do BBB bateu 60 milhões de visitas, se tornando o portal de entretenimento mais acessado do período. Números que para a época já mostravam que o Big Brother, para além da audiência na TV, conseguia gerar debate e ser relevante em um meio de comunicação que se estabelecia no país.
Os anos 2010 trouxeram altos e baixos ao reality show da Globo, que sofreu não apenas com a queda geral de audiência da TV, mas também com elencos e edições que não agradaram o público. O ápice veio na edição de 2019, que teve o pior Ibope de toda a história do programa, com uma média de 20,4 pontos, levando a Globo a ligar um alerta vermelho de que algo precisava ser feito.
Foi então que 2020 chegou e com ele um novo capítulo da história do BBB. Na época, o programa já era apresentado por Tiago Leifert (que assumiu a atração em 2017) e sofreu uma revitalização ao dividir seus participantes entre anônimos e famosos. Cantores, atores, influenciadores e atletas foram chamados para disputar o prêmio, agora já de um milhão e meio de reais, ao lado de um elenco de desconhecidos.
O casting conquistou os telespectadores logo nos primeiros dias, causando amores e dissabores entre o público, que mergulhou junto com eles em discussões sociais importantes que surgiram ao longo da temporada. Mas não foi apenas isso. Em 2020, assim como o resto do mundo, o Brasil assistia ao avanço da pandemia do novo coronavírus, fazendo com que a população entrasse em quarentena e ficasse em casa durante o mesmo período de transmissão do reality show.
Uma combinação de fatores que fez com que os olhos de muitos se voltassem para o programa, gerando números arrebatadores para aquela edição, tanto na TV quanto na internet.
Na telinha, segundo dados divulgados pela própria emissora, a Globo alcançou 166,4 milhões de telespectadores graças ao BBB, além de conquistar uma marca histórica, que fez o programa entrar para o Guinness World Records, ao registrar mais de um 1,5 bilhões de votos no paredão entre os participantes Felipe Prior, Manu Gavassi e Mari Gonzalez.
Já na internet, os números foram ainda mais chocantes. A 20ª temporada do maior reality multiplataforma do Brasil – como o programa foi chamado pela própria emissora –, teve uma repercussão, no Twitter, 30 vezes maior do que a do Super Bowl daquele ano. E foi além: gerou 137 milhões de Tweets sobre o assunto, entrou 1.240 vezes nos trending topics mundiais e representou um aumento de 192% em novos cadastros no site da emissora em relação ao ano anterior.
#GuinnessWorldRecords confirma recorde de maior quantidade de votos do público recebidos por um programa de televisão! 🏆 Vocês votaram 1, 2, 3… 1.532.944.337 vezes e tornaram a nossa edição MUNDIALMENTE histórica! 🌎 O #BBB20 é #OfficiallyAmazing! @GWR_ES @GWR #RedeBBB pic.twitter.com/GK2kOiwFUp
Em tempos de redes sociais gigantescas, o BBB 20 encontrou espaço em praticamente todas elas para servir como tópico de discussão. Mas, diferente do que acontecia no começo dos anos 2000, quando a internet ainda era restrita a um pequeno público e funcionava como uma extensão do programa, agora ficava difícil precisar essa divisão.
“Desde que as redes sociais surgiram, a gente escuta muito esse conceito de segunda tela. Então você tem a primeira tela, que é a TV, e aí as pessoas usam a segunda tela para acompanhar o que está na TV. Só que hoje a gente não consegue mais ver essa relação de primeira e segunda. […] Você tem na verdade uma simbiose, uma complementação entre as duas telas.”
Ainda segundo Camilla – em dados apontados por uma pesquisa feita entre o Twitter e a Kantar IBOPE Media*, com análise de vários reality shows –, em 1/4 dos programas analisados, o Twitter gerava audiência para a TV. Isso porque, após um pico de conversas na rede social sobre algo que havia acontecido no programa, as pessoas ligavam a TV para entender a situação. Ou seja, o Twitter não funcionava apenas como uma extensão do programa, mas, em alguns casos, como o próprio motivo do aumento da audiência.
*Pesquisa feita em 2021, considerando dados de 2020 e 2021.
Se os números arrebatadores do BBB 20 podiam parecer impossíveis de serem alcançados, o BBB 21 chegou provando o contrário.
Segundo dados divulgados pela própria Globo, a edição de 2021 fez com que os telespectadores passassem, em média, 46 minutos do seu dia assistindo ao programa, além de ter rendido 21% mais visitas ao site do BBB e 139% mais reproduções de vídeos do Gshow e do Globoplay, ambos em relação ao ano anterior.
Mas isso não foi tudo. Além da própria emissora, alguns dos participantes do programa tiveram uma explosão nas redes sociais, que os transformaram em parâmetros a serem alcançados pelos participantes dos anos seguintes.
O primeiro caso foi o de Manu Gavassi, ainda na edição 20 do reality, que antes de ser confinada para o programa gravou mais de cem vídeos para as suas redes sociais. Os conteúdos, feitos todos de forma humorada, eram vídeos nos quais a cantora reagia a dinâmicas do programa, como se tornar líder, ir ao paredão ou ganhar a prova do anjo. Uma estratégia que além de ter uma linguagem muito específica, condizente com a personalidade da participante no programa, fazia com que sua narrativa na TV se mesclasse àquela que o público via na internet.
Um entrelaçamento que se refletiu em números grandiosos para Manu, resultando em um crescimento de 948% de suas músicas no Spotify e um salto de 4,4 milhões para 13,4 milhões de seguidores em seu Instagram.
Já o segundo caso de sucesso foi o de Juliette Freire, anônima que entrou na casa do BBB 21 e viveu uma história de superação dentro do reality, ao se tornar alvo de alguns participantes da edição e conquistar o carinho do público. Uma trajetória tão forte e poderosa, que a transformou em um ícone no país: se Juliette falasse bem de um ovo de Páscoa, suas vendas aqui foram esgotavam; se ela usasse um batom, o item de beleza se transformava em desejo absoluto; se cantasse uma canção, seus streams nas plataformas de música disparavam.
Um fenômeno que se somou às suas redes sociais, onde um time de vinte profissionais construiu uma identidade visual condizente à personalidade da participante, conseguindo estabelecer uma relação muito próxima e acolhedora com seu público.
Um dos nomes por trás de todo esse sucesso foi o de Têca Falcão, social media que trabalhou como head do Instagram da paraibana durante sua estadia no BBB. Têca foi a responsável pela rede social de maior crescimento da maquiadora e que, segundo dados da HypeAuditor, se tornou um dos perfils de Instagram do período mais engajados do Brasil. Em entrevista ao Tecnoblog, Têca conta:
“Eu cheguei logo no segundo dia, a convite de Huayna e Deborah, que eram as duas pessoas a quem Juliette confiou suas senhas e responsabilidades. […] Eu era a head do Instagram e aí nós convidamos o Diego Lins, que é o designer que desenvolveu essa identidade visual. […] Para cada rede [Instagram, Twitter, Facebook, TikTok e Spotify] a gente tinha um head, mas as responsabilidades das decisões eram tomadas em um grupo. As ideias nasciam lá, as ideias saíam de lá. E a gente espalhava com a linguagem de cada rede.”
Como resultado de todos esses fatores, Juliette ganhou a sua edição, mas também bateu a marca de 26 milhões de seguidores no Instagram logo no primeiro dia após sair do programa, se tornou um case de marketing de enorme sucesso e se lançou na carreira de cantora – talento revelado dentro do reality –, fazendo com que todas as músicas do seu primeiro álbum chegassem ao topo das paradas do Spotify Brasil.
“Acho imprescindível que tenha a segunda tela para a gente torcer. Não só torcer, mas também comentar. O voto é decidido também através do Twitter. Ajudam-se muito os mutirões que acontecem, a narrativa que é construída aqui fora também.”
Seja na TV ou na internet, é praticamente impossível falar de BBB e não falar sobre a comunidade de pessoas apaixonadas pelo programa, que assistem fielmente às suas edições. Afinal, nenhum desses números existiria se não fosse por elas.
Quase sempre organizados, facilmente reconhecíveis – hoje em dia ainda mais, graças aos emojis no Twitter – e extremamente focados em ajudar os participantes de que gostam, os fandoms (expressão derivada dos termos em inglês fan e kingdom), são a comunidade que movimenta os números grandiosos de cada edição. E eles existem desde o começo do BBB, como lembra Bruno, que viu de perto essa dedicação de alguns telespectadores durante a sua pesquisa.
“[Nesses fóruns de blogs] tinham torcidas super fervorosas em relação a participantes. […] Eu lembro da Íris [a Siri, do BBB 7], que quando saiu do programa, por anos tinha fãs que não só auxiliavam em sua vida profissional pós-BBB, como entravam em contato com empresas pedindo para que eles a patrocinassem.”
“Eu amo cacto. Ele é uma espécie lá do sertão, ele nasce na seca, ele é extremamente resistente e ele tem flor também. É lindo!”, disse Juliette sem saber que fazia a metáfora de uma torcida que ainda nem sabe que existe.
Têca, que vivenciou esse amor de perto durante os meses em que cuidou do Instagram de Juliette, acompanha agora de longe os cactos – como ficaram conhecidos os fãs da paraibana – e nota neles uma fidelidade que acredita ter deixado de ser regra em outros fandoms, em tempos de tantos participantes de reality shows ficando famosos.
“Eles se entregam, eles se empenham, eles engajam. Eles têm milhões de grupos. São fã-clubes de fato muito empenhados. […] Eu sigo o Acesso, que é o perfil dela com os fãs, então vejo que ela os nutre de conteúdos exclusivos, que abre Spaces para conversar com eles, faz lives. Eles são bem servidos, então talvez seja por isso que eles não deixam de cultivar esse amor. Ela rega bem os cactozinhos dela.”
Para quem duvida do poder que esse grupos têm na internet, não é preciso ir muito longe para sentir sua influência.
O perfil do Instagram “girahforever”, uma central de notícias sobre os amigos e participantes Gilberto e Sarah, do BBB 21, continua a ser atualizado mesmo após um ano da estreia do programa. Já o participante Felipe Prior, do BBB 20, que teve um dos fandoms mais fervorosos nas redes durante a sua estadia na casa mais vigiada do Brasil, ganhou na época até uma música cujo nome fazia alusão a essa comunidade, a chamada “Tropa do Prior”.
E tem, é claro, o outro lado da moeda, como quando a atriz Carla Diaz, que viveu um relacionamento apenas dentro do BBB com o participante Arthur Picoli, sofreu uma onda de ataques na internet dos próprios fãs do casal, os “carthurs”, quando anunciou seu novo namoro nas redes.
Durante a escrita deste texto, o BBB transmite a reta final de sua 22ª edição. Uma temporada que ganhou muitas reclamações nas redes sociais pela escolha do elenco, pela falta de participantes jogadores e, em algumas vezes, até mesmo por decisões tomadas pela Globo em dinâmicas do programa – como foi o caso da escolha do líder, ao final de uma prova de resistência, por meio de um sorteio.
O que se observa, porém, é que o Big Brother Brasil chegou em um patamar na TV e na internet, que até edições menos queridas pelo público trazem números e dinheiro exorbitantes para a emissora e para as marcas relacionadas ao programa.
O reality show continua a movimentar os TT’s no Brasil quase que diariamente e alguns participantes, como é o caso do cearense Vynícius (com 4,5 milhões de seguidores no Instagram), fazem sucesso em suas redes. Semanalmente, algumas das maiores marcas do país realizam festas e ações dentro do programa e números grandiosos são alcançados na temporada, vide o segundo paredão com mais votos da história do BBB, ocorrido em uma disputa entre os participantes Arthur Aguiar, Jade Picon e Jessilane.
A impressão que fica é o que o BBB não tem prazo de validade. Mudanças, como sempre, devem acontecer em próximas edições, até mesmo para renovar o público e trazer dinamismo à competição. Mas o programa é, indiscutivelmente, a galinha dos ovos de ouro da Globo, tendo impacto e troca entre mídias – o sonho de qualquer emissora. O que, por isso mesmo, deve dar uma vida longa, duradoura, fervorosa e muito rentável ao reality show.
Paula Alves
Repórter
Paula Alves é jornalista especialista em streamings e cultura pop. Formada pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), antes do Tecnoblog, trabalhou por sete anos com jornalismo impresso na Editora Alto Astral. No digital, escreveu sobre games e comportamento para a Todateen e sobre cinema e TV para o Critical Hits. Apaixonada por moda, já foi assistente de produção do SPFW.
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