'Criptos de dólar' superam ideal do bitcoin e lideram transações no Brasil – Valor Investe

Por Laelya Longo, Valor Investe — São Paulo

A maioria das pessoas deve achar que o bitcoin, a mais antiga e famosa entre as criptomoedas, é o ativo mais negociado deste segmento. Mas isso não é propriamente verdade no Brasil, pelo menos quando se observa o volume financeiro das operações. Os dados da Receita Federal mostram que as criptomoedas pareadas ao dólar são, de longe, as mais negociadas por aqui. Dos R$ 81,5 bilhões negociados em cripto, e reportados à Receita, entre janeiro e maio deste ano, 90% foram nas chamadas stablecoins, com destaque para a moeda tether (USDT).
Isso mostra que parte relevante do salto dos valores movimentados por esse mercado no Brasil não tem como base o ideal libertário que animava os criadores do bitcoin, mas sim casos de uso diversos – alguns controversos – substituindo o dólar “oficial” pelo ativo digital.
O valor médio das operações é também um indicador que evidencia os diferentes casos de uso das moedas. Com tether, cada transação girou, em média, cerca de R$ 70 mil, em maio. Com o bitcoin, a transação média não chegou a R$ 700.
O tether (USDT), terceira maior criptomoeda do mundo em valor de mercado, de US$ 85 bilhões, atrás apenas do bitcoin e do ethereum, é emitida pela empresa de mesmo nome, controlada pela gigante Bitfinex. De acordo com a plataforma de dados CoinMarketCap, a cripto gira diariamente, em média, cerca de US$ 20 bilhões, no mercado global.

Tether: uma trajetória notável

Em agosto de 2019 passou a vigorar a norma da Receita Federal com a obrigatoriedade de as exchanges brasileiras informarem todas as transações de seus clientes com criptoativos. Para as operações com exchanges estrangeiras ou sem uso delas, o peer to peer, ou mercado de balcão (OTC), volumes negociados no mês acima de R$ 30 mil devem ser reportados à RF pelos próprios clientes, seja pessoa física ou jurídica.
Em dezembro de 2019, quando o volume total transacionado com criptomoedas no Brasil beirava os R$ 6,5 bilhões, o tether girou pouco mais de R$ 410 milhões. À época, o bitcoin reinava absoluto, com 94% do total.
em junho de 2020, o tether alcançou seu primeiro bilhão em volume transacionado, correspondendo a cerca de 22% do total, que se manteve no mesmo patamar, e a dominância do bitcoin caiu para 40%.
Até o final de 2021, quando o bitcoin bateu sua máxima histórica de US$ 68 mil, o volume transacionado e a fatia do tether e do bitcoin no total apresentaram grandes oscilações.
Janeiro de 2022 marcou o início da consolidação do crescimento constante das transações com tether. Nesse período, o USDT já respondia por metade do volume transacionado e movimentava mais de quatro vezes o volume de bitcoin, em reais.
Em maio do ano passado, quando o colapso da stablecoin TerraUSD (UST) intensificou o chamado “inverno cripto”, o volume de USDT passou dos R$ 10 bilhões, enquanto o de bitcoin somou R$ 2,5 bilhões.
Nos 12 meses até maio deste ano, a trajetória do volume financeiro de ambas as criptos foi proporcionalmente inversa. Em maio passado, os dados preliminares da Receita apontam que o tether “comanda” 80% do volume total transacionado no país, girando quase R$ 13 bilhões – montante mais de dez vezes superior ao do bitcoin, no mesmo mês.
Em quantidade de operações e valor médio negociado, o cenário é ainda mais discrepante. Desde o início da aplicação das normas da Receita Federal, o bitcoin é líder absoluto no número de transações. Em agosto de 2019, já beirava 1 milhão, enquanto com tether, as operações não chegavam a 2 mil.
Curiosamente, desde então, a quantidade de operações com bitcoin cresceu sobremaneira, alcançando o recorde de 3,3 milhões, em julho do ano passado. Em paralelo, o número de transações com tether também avançou, mas ainda está no patamar dos milhares, atingindo seu pico em março deste ano, de 201 mil.
De acordo com o último relatório da RF, em maio passado foram realizadas cerca de 4,4 milhões de transações com criptomoedas. Deste total, o bitcoin foi responsável por 31,1% e o tether, 4,3%. Ou seja, apenas 4,3% das operações giram 80% do volume financeiro com criptomoedas no País.

Para que servem as 'criptos de dólar'

“Além de serem utilizadas em transações comerciais ou investimentos, as stablecoins atreladas ao dólar são usadas como porto de segurança por quem negocia criptomoedas, como o bitcoin”, afirma Ricardo Rochman, professor de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Devido à alta volatilidade, negociar criptomoedas como bitcoin ou ethereum pode levar a grandes perdas, por isso muitos investidores preferem trocar seus bitcoins por stablecoins, durante períodos de alta incerteza, ou enquanto avaliam o que fazer com seus recursos.”
Para Rochman, essa é umas das razões pelas quais o mercado de criptos de dólar seja muito superior ao de criptomoedas individualmente. “Também há estratégias de investimento no mundo cripto, como o depósito de stablecoins para prover liquidez a projetos de finanças descentralizadas (DeFi), que recebem juros como remuneração.”
Thiago Barbosa Wanderley, advogado e doutorando em tributação de criptomoedas pela USP, também aponta que, em um mercado caracterizado pela alta volatilidade, as stablecoins são utilizadas pelos investidores como proteção. “Quando o investidor percebe que vai haver uma queda acentuada nos preços, ele não faz um um saque do seu dinheiro. Ele sai da posição em bitcoin, por exemplo, e vai para o dólar representado pelo tether, que é estável, pelo menos até esse momento histórico.”
Wanderley compara o uso das stablecoins no mercado cripto à realização de lucros com ações, no mercado tradicional, após um período de valorização. “Chega um determinado limite, no qual o investidor ganhou o que gostaria de ganhar, ao invés de resgatar em moeda fiduciária, como no caso de vender ações, ele troca por uma cripto de dólar, como uma espécie de liquidação do investimento.”
Wanderley aponta ainda que criptos de dólar permitem a realização de remessas internacionais, o que ainda não é permitido pela legislação. “Esse é um desafio para este segundo semestre. O Banco Central ainda não traçou quais serão as regras sobre as transações internacionais com criptomoedas.
A norma cambial vigente estabelece que, a cada troca de uma moeda por outra, incide o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). “Se o BC entender que stablecoins são moedas, deve haver uma correção para incluí-las na norma.”
Em 2017, o Banco Central editou o Comunicado 31.379 esclarecendo que “as operações com moedas virtuais e com outros instrumentos conexos que impliquem transferências internacionais referenciadas em moedas estrangeiras não afastam a obrigatoriedade de se observar as normas cambiais”. Ou seja, a autoridade entende que criptomoedas não devem ser utilizadas para fins de transferências internacionais sem que seja por meio de instituições autorizadas pelo Banco Central a operar no mercado de câmbio.
Tatiana Mello, sócia do Pinheiro Neto Advogados, especialista em mercado de criptoativos, conta que tem sido comum a prática de transferências internacionais, ainda que o Banco Central tenha emitido o comunicado. “As transferências internacionais que a gente tem visto acontecer bastante no mercado tem esses dois potenciais riscos: não passar pelo mercado de câmbio tradicional e não recolher impostos”, ressalta.
Ela pontua, por outro lado, que bancos e corretoras autorizadas já começaram a usar criptos de dólar para fins de liquidação de câmbio tradicional.
André Portilho, chefe de ativos digitais do BTG, avalia que as stablecoins são o primeiro “killer app” de cripto – algo como um recurso muito superior a outros do mesmo tipo, que "mata" os que vieram primeiro. “As stablecoins permitem que você transite uma moeda forte, o dólar, principalmente, usado pelo mundo todo, dentro da infraestrutura de blockchain, que é muito mais eficiente do que a infraestrutura do mercado tradicional”, afirma.
A Mynt, plataforma de criptoativos do BTG, foi a primeira a listar o USD Coin (USDC), a principal cripto de dólar concorrente do tether (USDT), para negociação de seus clientes. No início de abril, lançou sua própria moeda pareada ao dólar, o BTG Dol. “O lançamento veio em linha com a estratégia do banco em oferecer para os clientes todos os instrumentos que o mercado utiliza”, afirma Portilho. “Com ele, o cliente pode dolarizar seu investimento, de forma mais barata, fácil e eficiente.”
“A decisão de lançar uma stablecoin partiu do entendimento de que havia espaço no mercado para uma cripto de dólar, emitida por uma instituição regulada, de capital aberto, que consegue trazer alguns diferenciais que as outras não conseguem, como compliance, governança, credibilidade e segurança”, conta Portilho. “A nossa intenção com uma stablecoin é de que seja usada totalmente dentro das quatro linhas”, ressalta.
“O mercado acha os usos dos ativos”, afirma Portilho, citando o caso da Argentina. “Lá, as criptos de dólar estão sendo usadas para reserva de valor, para fazer pagamento, porque não há confiança na moeda do país. As sociedades se adaptam e passam a utilizar os instrumentos financeiros que mais de adequam à sua necessidade.”
Outro ponto destacado por Portilho é que as stablecoins estão mais preparadas para “conversar” com as CDBCs – as moedas digitais de bancos centrais – que estão em gestação em diversos países do mundo, inclusive no Brasil, com o Real Digital.
“O dinheiro e os instrumentos financeiros evoluem com o tempo e com a tecnologia e a gente está vivendo um momento de transição”, aponta Portilho. “Mas o dinheiro evolui por demanda, não por decreto. A sociedade adota as formas de dinheiro que são mais fáceis, mais seguras e eficientes.”
O bitcoin como ‘moeda libertária’ está virando um mito, pois sua alta volatilidade, juntamente com a baixa aceitação pelo público geral e empresas, o inviabiliza praticamente como moeda de fato”, afirma Rochman, da FGV. “Já as stablecoins atreladas ao dólar, ou ‘cripto de dólar’, em especial tether (USDT) e USDCoin (USDC), ambas com lastros auditáveis em dólares, são uma realidade por facilitar negócios, propiciar alternativas de investimento e dar segurança aos seus detentores.”
Alexandre Senra, procurador e coordenador GT Criptoativos do Ministério Público Federal, observa que todos os casos de uso podem explicar de alguma forma o alto volume financeiro transacionado no mercado brasileiro, mas não justifica porque o tether é a escolha dos operadores e investidores. “Existe pelo menos uma dezena de stablecoins cujo preço é atrelado ao dólar norte-americano”, lembra.
Para ele, um dos fatores que podem levar à concentração do tether é a confiança que o mercado deposita na moeda. “Se é uma confiança justificável, ou não, é outra história.”
Senra lembra que, desde que foi lançado, o tether “não apresentou nenhum problema sério”, como a perda de paridade. “Já aconteceu, mas foi corrigida rapidamente.”
“Várias notícias já foram trazidas à tona de que as empresas por trás do USDT nunca foram objetos de uma auditoria independente. Elas próprias já admitiram que as reservas não são 100% em moeda, que a cesta de garantias é composta por diversos papéis, entre os quais títulos do Tesouro norte-americano e outros papéis privados”, observa Senra. “Nada disso abalou a confiança do mercado. “As pessoas simplesmente confiam tomando como base o passado e, muitas vezes, quebram a cara por conta disso”, reforça. “Você ignora os riscos porque toma o passado como uma garantia do futuro.”
O GT Criptoativos é um grupo de trabalho que foi constituído pela segunda câmara de coordenação e revisão do MPF, no final de 2021, a partir da demanda de um procurador da República que estava com um caso envolvendo a apreensão de uma quantidade muito grande de criptoativos e precisava de uma orientação sobre como proceder. No caso, a apreensão era dos bitcoins detidos por Glaidson Acásio dos Santos, o Faraó dos Bitcoins.
Segundo Senra, casuisticamente, as apreensões de criptomoedas em operações em que o MPF tem conhecimento envolvem majoritariamente bitcoins. “Ainda não se tem notícia de grandes apreensões envolvendo stablecoins.”
Todas as ressalvas em torno do alto volume que o tether movimenta no Brasil, para Senra, são possíveis, mas são especulativas, porque não há dados que comprovem qualquer desvio de caso. Mas ele destaca que todas as transações que são feitas no blockchain, que é um livro-razão público e distribuído, são passíveis de checagem e confirmação dos volumes transacionados. Já as transações que são realizadas dentro das exchanges centralizadas só são de conhecimento das mesmas.
“O que aconteceu dentro das centralizadas está nos seus registros privados. A garantia que se tem de que essas informações são fidedignas é a afirmação das exchanges”, pontua. “E já houve episódios de falsificação de movimentação para criar um ambiente de alta liquidez e atrair mais investidores.

Futuro nas mãos do BC

Para Rochman, enquanto o Tesouro dos EUA não emitir sua moeda digital (CBDC), as stablecoins lastreadas e atreladas ao dólar continuarão atuando como moedas digitais. “Fazer operações de câmbio com as stablecoins é mais barato e rápido do que muitas das formas disponíveis, principalmente em mercados com muita regulação e burocracia como o brasileiro”, afirma. “Para as pessoas é mais confortável lidar com algo ligado ao dólar do que criptomoedas como bitcoin ou ethereum.”
“Acredito que o mercado ainda vai passar por um amadurecimento, principalmente porque o Banco Central recebeu o mandato para regulamentar os operadores de serviços de ativos digitais”, destaca Tatiana, acrescentando que o decreto do governo apontou textualmente que o BC vai avaliar as implicações das criptomoedas no mercado de câmbio. “Vamos ver novas regras, mais claras, como a que permita operações de câmbio utilizando artigos virtuais.
O artigo 7 do Marco Legal das Criptomoedas, a lei 14.478, determina que o BC vai “dispor sobre as hipóteses em que as atividades ou operações” com criptoativos “serão incluídas no mercado de câmbio ou em que deverão submeter-se à regulamentação de capitais brasileiros no exterior e capitais estrangeiros no País”.
Para Portilho, a regulamentação do mercado cripto no Brasil pelo BC deve atingir os emissores de stablecoins, assim como em outros países. “Ainda que as stablecoins não possam ser denominadas ‘moedas’, elas são instrumentos financeiros que podem desempenhar o papel da moeda no mercado”, observa. “Vai caber ao Banco Central definir de que forma as stablecoins vão entrar na regulação do mercado de câmbio.”
Para Senra, o enquadramento das transferências realizadas com criptos de dólar no mercado de câmbio suscita uma discussão conceitual. Juridicamente, explica ele, operações de câmbio exigem que uma das pontas envolva uma moeda fiduciária. “Trocar uma cripto por outra, mesmo que tenha seu preço atrelado ao de uma moeda fiduciária, rigorosamente, não se trata de operação de câmbio.”
Procurada pela reportagem para comentar o movimento, a Tether, empresa responsável pela cripto de mesmo nome, não respondeu até o fechamento desta matéria.
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