Além do céu: A contribuição estratégica e segurança da Aviação para a soberania energética do Brasil

Minha história como piloto de helicóptero é uma jornada de dedicação, superação e um compromisso inabalável com a segurança de voo. Comecei minha carreira em 2008, após retornar ao Brasil depois de morar no Japão. Antes disso, já havia adquirido conhecimentos aeronáuticos trabalhando como ajudante no aeroporto da minha cidade natal. O sonho de voar em asas rotativas se tornou o propósito da minha vida, e a paixão que sentia pelo voo se transformou em uma responsabilidade.


A Base: Conhecimento, Disciplina e Preparação

O primeiro passo foi a preparação, começando pelos exames médicos no Hospital da Aeronáutica de São Paulo (HASP) para garantir minha aptidão física e mental para a profissão. Em seguida, mergulhei nos estudos teóricos no Aeroclube de São Paulo, onde completei os cursos de piloto privado, piloto comercial e instrutor de voo. Eu sabia que a teoria era o alicerce de tudo. Dediquei-me intensamente aos estudos para estar entre os primeiros da turma e ser aprovado na banca da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Essa fase me ensinou que o voo não é apenas sobre talento, mas sobre conhecimento, disciplina e preparação.

Com a base teórica sólida, era hora de ir para a prática. Fiz meu curso prático no Campo de Marte, em São Paulo, e a sensação de voar um helicóptero pela primeira vez, sentindo a vibração da aeronave e entendendo como cada comando se traduzia em movimento, era indescritível.


Os Primeiros Desafios e o Salto para o Mercado Offshore

Após a formação, veio o primeiro grande desafio: encontrar um emprego. No mundo da aviação, as horas de voo são a sua moeda, e as empresas e seguradoras exigem uma quantidade mínima de experiência. Felizmente, fui contratado por uma empresa de rastreamento aéreo para voar um helicóptero Robinson R22. Passar um ano voando o Robinson me deu as horas e a base de experiência necessárias, ensinando-me a lidar com situações do dia a dia e a manter a calma sob pressão.

Com a experiência adquirida, meu horizonte se expandiu, e meu próximo objetivo era o mercado offshore, que atende as plataformas de petróleo e gás. Ingressei em um táxi aéreo como primeiro oficial e a mudança foi drástica. Troquei o pequeno Robinson pelo

Sikorsky S-76, uma aeronave bimotora muito maior, mais veloz e certificada para voos por instrumentos (IFR). Essa transição não foi apenas uma mudança de helicóptero, mas uma mudança de paradigma. Fui para a CAE Nova Jersey-Morristown, nos Estados Unidos, para fazer o curso do S-76. A diferença entre o Robinson e o Sikorsky era significativa em todos os aspectos. O S-76 oferecia a redundância de ter dois motores, aumentando exponencialmente a margem de segurança, e os cockpits analógicos deram lugar aos (Efis) Electronic Flight Instrument System (Sistema de Instrumentos de Voo Eletrônicos) com telas digitais, que reduziram a carga de trabalho do piloto.


A Escalada para o Comando: Tecnologia e a Cultura de Segurança

Dediquei-me ao máximo e, com esse comprometimento, fui selecionado para voar o

Sikorsky S-92, uma aeronave de grande porte, com capacidade para 21 pessoas e complexidade tecnológica impressionante. Mais uma vez, fui para os Estados Unidos para fazer um curso inicial de 30 dias do S-92 em Lafayette. Hoje, tenho o orgulho de ser Comandante e instrutor sênior dessa aeronave.

No meu papel atual, meu foco principal é a segurança de voo e o Gerenciamento de Recursos Corporativo (CRM). A segurança de voo deixou de ser apenas um conjunto de regras e se tornou uma filosofia de trabalho. A evolução da aviação que pude testemunhar, é notável. No passado, a segurança dependia da intuição do piloto, com instrumentos analógicos e navegação por mapas, e a redundância era limitada. Hoje, os EFIS, Glass Cockpit, PFD se tornaram o padrão. Sistemas como o HUMS (Health and Usage Management Systems) e o EGPWS (Enhanced Ground Proximity Warning System) se tornaram “anjos da guarda” dos pilotos, monitorando a saúde dos componentes em tempo real e prevenindo colisões.

A tecnologia é uma ferramenta, mas o fator humano é o coração de qualquer operação segura. É aqui que o CRM se destaca. O CRM é a arte de gerenciar todos os recursos disponíveis para um voo seguro, priorizando o trabalho em equipe, a comunicação eficaz, a tomada de decisão e a liderança situacional.

Uma das maiores evoluções do CRM é a diminuição do Power distance, que encoraja o primeiro oficial e outros tripulantes a se comunicarem abertamente com o comandante, sem medo de retaliação. Essa abordagem reconhece que todos os membros da equipe estão sujeitos a falhas e que os erros e ameaças devem ser gerenciados por meio de comunicação eficaz, uso de checklists, procedimentos padronizados SOP e monitoramento contínuo. Ensinar o CRM é tão importante quanto ensinar a pilotar, pois o erro humano, muitas vezes causado por falhas de comunicação ou de trabalho em equipe, ainda é um dos principais fatores em incidentes aeronáuticos. O ensino de alta qualidade é fundamental para garantir que a próxima geração de pilotos não apenas domine a técnica, mas também compreenda a importância da colaboração e da segurança como uma cultura, não apenas uma regra.


Contribuição Estratégica para a Soberania Energética do Brasil

Minha atuação como piloto offshore tem um mérito substancial e de importância nacional. As operações aéreas que realizamos são o elo vital que conecta o continente às plataformas de petróleo e gás em alto-mar, principalmente as do pré-sal, que representam a maior parte da produção nacional. Operar com segurança nesse ambiente, com mau tempo, ventos fortes e visibilidade reduzida, é uma contribuição direta para a economia e a soberania energética do Brasil. A cada voo, transportamos a mão de obra especializada que mantém a indústria de petróleo e gás funcionando, uma das mais importantes do país.

Minha formação em IFR e o domínio das tecnologias a bordo do S-92 me permitem operar com precisão e segurança onde outros modais não conseguiriam. O conhecimento de sistemas da aeronave, sistemas de alerta como o EGPWS e o TCAS, e a aplicação rigorosa do CRM, garantem que a nossa tripulação esteja preparada para qualquer situação de risco, protegendo vidas e um patrimônio que é essencial para a nossa nação.

Como instrutor sênior, minha missão é transmitir um aprendizado de qualidade, com bom CRM e elevada consciência situacional, aumentando ainda mais a segurança de voo. Dessa forma a próxima geração de pilotos, estará com foco inabalável na segurança de voo e no CRM, construindo então uma cultura de excelência que eleva o padrão do setor. Isso garante que as operações aéreas brasileiras continuem seguras, eficientes e confiáveis, fortalecendo a confiança na indústria e permitindo que o Brasil mantenha sua posição de destaque global na produção de energia.

A segurança de voo deixou de ser uma responsabilidade exclusiva do piloto e se tornou um esforço conjunto entre tecnologia de ponta, regulamentação rigorosa, a diminuição do Power Distance e, acima de tudo, um treinamento contínuo de alta qualidade. O futuro é promissor, com a automação e a inteligência artificial prometendo um futuro ainda mais seguro para a aviação de asa rotativa. Minha jornada de piloto, do pequeno Robinson ao gigantesco Sikorsky S-92, é um testemunho dessa evolução e um exemplo da importância estratégica da dedicação, do treinamento contínuo e da expertise técnica para a segurança e a eficiência das operações aéreas em um dos setores mais críticos do Brasil. Tenho orgulho de fazer parte dessa história, contribuindo para que cada decolagem e pouso sejam realizados com a máxima segurança. O prazer de ensinar novos comandantes e copilotos, de ver a evolução do conhecimento e da prática, é a maior recompensa. É uma forma de retribuir tudo que me foi ensinado e de perpetuar uma cultura de segurança que salva vidas e fortalece nossa nação.

Pablo Henrique Tanaka

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